Senta-te e Ri
Este assunto voltou ao centro da discussão com a bofetada dos Óscares e eu vim juntar-me ao rebanho que disputa um dos eixos da polémica em torno dos limites do humor. Penso que não será preciso contextualizar o que passou, e penso também que nada serve como desculpa para justificar ofensas à integridade física de alguém. Muito menos uma piada.
Desde quando é que fazer rir, e estar-se em palco a fazer-se rir, é motivo para levar um estaladão? Desde quando é que o estatuto branqueia uma agressão pública como se nada fosse? Não me parece normal que um artista esteja a atuar, seja agredido durante o seu espetáculo, o agressor não sofra quaisquer consequências e ainda é recompensado com um dos maiores méritos da Academia.
Sei que não sou cientista, mas até eu sei que não é com piadas que os tumores ou doenças crescem ou deixam de crescer. O único fator que devia limitar uma piada era se ela, efetivamente, tinha graça, e é nessa subjetividade que se encontra parte da magia humorística. Tentar impor limites pessoais só porque sim é egoísta, injusto e castrador, prejudicando uma arte cada vez mais atacada indevidamente.
Porque uma coisa são os nossos limites individuais. Eu acho graça a umas coisas, tu a outras, nós a outras em comum ou ainda a umas nada a ver. E isso é bom e válido. Nada nem ninguém nos pode impedir de rir e apreciar a arte que é fazer rir da desgraça.
A desgraça, essa, é um elo que sempre esteve presente na escrita humorística e sempre estará. Seja à custa própria ou alheia, sempre nos gostámos de rir da tragédia, e não podemos usar o politicamente correto como capa protetora (e impeditiva) do riso. Muitas vezes, rir é a única arma que temos para combater os infortúnios, ou apenas para lidar com eles.
Em vez de te levantares e bateres no comediante que está apenas a fazer o seu trabalho, senta-te. Senta-te e ri da piada.