O meu corpo, as regras dos outros
Ahhhhh! Não dava para ignorar a polémica do momento. Como pessoa com pipi e o mínimo de noção pelos direitos, liberdades e garantias individuais, venho dar o ar da minha graça sobre um tema muito pouco engraçado: o corpo feminino e as regras que outros tentam impor sobre ele.
Numa era cada vez mais futurista, a viagem nostálgica ao passado correu mal. Em vez de ser pela música, dança ou teatro, acabou por ser na Constituição.
No dia 24 de junho de 2022, o caso Roe vs. Wade, estabelecido desde 1973, faleceu bruscamente, quando milhões de pessoas ficaram sem o direito de interromper voluntariamente a gravidez. Atualmente (segundo percebi), 26 dos 50 estados dos EUA têm leis que indicam que pretendem proibir o aborto, e outros 13 têm "proibições de gatilho", que permitem que o aborto seja imediatamente banido assim que se queira. Ou seja, temos 39 estados onde não dá para exercer uma vontade individual. E porquê? Por causa de crenças de terceiros.
Atenção: este não é um texto contra pessoas pro-life. Têm o direito a ter a sua opinião e, por muito que discorde ou não compreenda, também lhes concedo o espaço para fazerem o que quiserem com a sua liberdade de expressão. Mas. Ai e este mas... O que é que o alho tem a ver com o bugalho?
Poder abortar não significa que, a cada teste de gravidez, venha um cabide de oferta. Do género leve 2, pague 1, e depois escolha o que quer fazer em casa consoante o resultado. Poder escolher se queremos interromper a gravidez é ressalvar a nossa saúde, física, mental ou ambas, e não borrifar uma criatura para o mundo só porque estranhos assim o quiseram.
Esta luta ultrapassa o género e a sua identidade. É sobre liberdade individual, o direito de vivermos como bem entendermos e não termos de justificar perante a sociedade se queremos - ou não - reproduzir-nos no mundo.
Posso já me estar a afastar do ponto mas, agora do lado pro-choice, vejo em diferentes plataformas argumentos extremos que também me assustam para defender a necessidade do aborto. Apesar de bem intencionados, também não podemos usar a carta da violação, da deficiência do feto, do perigo de vida para a mãe como os únicos trunfos de defesa da situação. Devia ser suficiente a pessoa não querer. É pedir muito que possamos assumir o livre-arbítrio que nos dizem que é dado? Se a pessoa com a alma não parida no ventre não o quer transportar e expelir, seja por qual razão, então nós que respeitemos.
Se com todo este testamento significa que eu vá abortar? Não te diz respeito. Se tu vais abortar? Não me diz respeito também.
Porque é essa a magia: cada um fazer o que acha melhor para si, sem ser castrado por vontades alheias que só se lembram da Humanidade quando ela ainda nem está em vias de existir.