Diário de bordo de uma recém-arrendatária
Buenos dias, Matosinhos! Ah pois, nunca esta expressão foi tão bem escrita aqui no blog. Quer dizer, na verdade continua ligeiramente errada porque não me mudei para Matosinhos mas sim para o Porto. Ficou lá perto.
Pois bem, serve este texto para revelar algumas das experiências absurdas que tenho vivido na cidade Invicta - como não podia deixar de ser. Estou cá desde o início de setembro numa tentativa de conciliar o meu trabalho full-time com um mestrado full-time também, numa cidade nova onde conheço um total de zero pessoas e tenho o sentido de orientação de uma toupeira que acabou de jogar ao "cabra cega". Escolhi esperar este tempo para avaliar as partes boas, as partes más e aquelas que sinto que valem a pena ser partilhadas (se é que alguma vez o meu sentido de julgamento agiu bem). E cá estou.
COMO TUDO COMEÇOU
Todas as histórias de amor têm lugares marcantes. Esta começou no Idealista, num anúncio sem fotografias e com uma descrição misteriosa. Como o desespero é real e o mercado imobiliário não se ajusta à falta de poder de compra da população geral, fui na fé e contactei aquele que seria o meu futuro senhorio. Conversa para aqui, conversa para ali, e chega o dia em que visito o esperado quarto.
Não vou a muitos detalhes, mas escrevo só que havia mais teias de aranha que paredes, chão e teto, bolas de cotão que devem ter saído de 57 umbigos e demasiados pacotes de ketchup para a gaveta de uma mesa de cabeceira. Infelizmente não havia melhor, então vi-me forçada a aceitar a proposta e proceder (com a minha rica mãezinha) a uma desinfeção profunda do espaço. Com a aura renovada e as minhas coisas lá dentro, já estava tudo a postos para começar o ano letivo.
SETEMBRO
Setembro é o Ano Novo dos adultos, não é? Janeiro meio que não serve para nada e é no mês 9 que estamos frescos, fofos e prontos para novos desafios. Foi isso que fiz também. Estava numa cidade nova em busca de um sonho, e posso dizer que os primeiros tempos refletiram mesmo isso.
Acordar sem os pais na cozinha, a irmã na sala ou a avó na casa-de-banho passou a ser a minha realidade, e eu não podia estar mais entusiasmada. Entrei na minha fase de Ricky Martin, livin' la vida loca nas idas ao supermercado, à lavandaria, à faculdade, à Internet para pensar em novos pratos porque afinal é preciso uma criatividade estúpida para se saber o que comer todos os dias... Okay, isto se calhar não é a coisa mais fácil do mundo.
OUTUBRO
Outubro ainda é um mês floreado e cheio de entusiasmo (até porque faço anos e estava pronta para a rambóia nas Galerias). Assim foi. Já estava a fazer amigos, a aproveitar bem a vida de tasca que tanto gosto e ainda sem o peso que os trabalhos académicos teriam para breve. O tempo estava bom, a cidade ainda estava por explorar e os astros pareciam estar alinhados para tempos etéreos.
NOVEMBRO
Hmmmmm. Afinal não. Ouvi bater à porta, fui espreitar e as responsabilidades entraram casa dentro. Doeu. E está a doer. Estou agora na fase "mais olheiras que cara" e a reparar que deixei de ter pedalada para as coisas no geral. Sempre soube que era caquética, mas também não era preciso um balde de água tão fria.
Entre ter criatividade para as tarefas que o meu trabalho implica, ter atenção para o que aprendo nas aulas, foco para os trabalhos e testes, vontade de fazer tarefas de fada do lar, genica para conhecer pessoas e criar amizades... fica a faltar o descanso e o reenergizar de voltar a casa. Isto agora pode parecer paradoxal, mas mesmo a morar com pessoas novas, conhecer outras tantas na faculdade e arredores, é complicado gerir a vida dupla de alguém que recomeçou numa cidade diferente. Mais que complicado, é solitário.
Se, por um lado, ainda não tens nenhuma relação sólida no destino que te está a acolher e ficas com mais propensão a sentir-te só, por outro deixas de estar tão presente para com aqueles que faziam parte da tua vida pré-mudança, e sentes-te só na mesma. Está a ser um percurso interessante, este da independência. Com altos, baixos e tudo pelo meio, mas sempre com esperança de que, no fim, tenha valido a pena. Pelo menos estamos a fazer por isso.
MENÇÕES HONROSAS DESTA JORNADA (ATÉ AGORA)
Em primeiro lugar, tenho a agradecer ao meu senhorio, o típico arquétipo do velho cheio de manhas para nos tentar passar a perna. E como se isso não bastasse, há uma boina malcheirosa que nunca lhe sai da cabeça e cuja identidade perdura no ar desta casa horas a fio. O homem pode já nem estar lá a cobrar a renda, mas o odor da boina é eterno.
Para a prata, destaco o colega de casa louco com uma dieta de Oompa Loompa (à base de arroz de grão, rissóis e bolachas húngaras diários), zero noção da seca internacional e especial apetência para a desnecessidade. Mas as histórias dele são outros quinhentos.
No bronze, fica o rapaz das bifanas, com lágrimas tatuadas na cara e que me tem tratado como uma irmã mais nova desde que cheguei. Desde finos à pala a bacalhaus espirituais, tem sido uma bênção conhecer o urso de peluche por detrás do ar de gangsta.
Agora na platina, ficam as colegas de casa incríveis (ênfase especial para uma Ana mega Bacana), e dois coleguinhas que me têm acolhido desde o primeiro dia de aulas. Sois uns fofos que me dão alento.