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Eu, Lástima

Opiniões, histórias e desabafos de uma lástima ambulante.

Eu, Lástima

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O belo do não tão belo elogio

11.11.20, Lástima

Eu amo conduzir. Toda a sensação de estar a dominar o volante e a comandar um carro deixa-me com borboletas na barriga e, além de me permitir estar sozinha a cantar aos altos berros sem prejudicar os ouvidos dos que estão à minha volta, também me dá espaço para aprimorar o meu lado filosófico, libertando o Immanuel Kant que tenho dentro de mim. Posto isto, podes assumir que tenho vários momentos de divagação quando estou sozinha no carro. E hoje, fiquei com vontade de partilhar um deles, nomeadamente sobre a pressão do elogio.

Ora, eu sei que escrever sobre o ato de elogiar tem muito pano para mangas, mas o foco que eu queria dar à coisa é o seguinte: nem todos os elogios têm de ter segundas intenções. Sinto que, a cada dia que passa, deixa de haver a possibilidade de espalhar amor e palavras simpáticas ao outro, seja por medo de ser mal-interpretado ou por outro motivo qualquer. E isto deixa-me inquieta - então, se eu quiser dizer a alguém que é bonito, tem estilo ou é engraçado serei logo vista como promíscua porque só estou a flirtar? Quando é que um elogio passou a ser automaticamente sinónimo de engate? (Claro que esta reflexão não tem nada a ver, nem pouco mais ou menos, com os piropos - o universo dos comentários desnecessários e porcos mascarados de "coisa inofensiva" não é para aqui chamado.)

Mas custa-me ter de ver maldade em tudo. Por que é que alguém dizer que tenho jeito para a escrita ou que acha piada ao meu blog é traduzido como um pretexto para me tentar seduzir? Se eu elogiar os quadros de um artista, estarei a tentar engatá-lo? Claro que não. Custa-me ver que vivemos num clima de desconfiança tal que toda e qualquer simpatia é logo vista como uma máscara para algo mais - porque espalhar boas ações pelo mundo fora já não é suficiente; tem de haver, sempre, mais alguma coisa.

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Aliás, até vou retificar: nem todos os elogios são vistos como tentativas de sedução. Muitas vezes, são interpretados de forma sarcástica - tal não é a anormalidade ao elogiar alguém, que passa logo a ser traduzida a alguma provocação irónica e mal-intencionada.

Estes padrões duplos em relação a algo que poderia ser tão fofo e simpático acabam por criar um estigma um tanto ou quanto parvo que impede as pessoas de dizerem o que sentem sem se auto-censurar. Até acabei por debater este assunto com uma pessoa próxima e ela alertou-me para o facto de haver sempre alguma coisa que impede um elogio de ser visto com sinceridade aos olhos dos outros, seja porque um homem elogiar outro é considerado pouco másculo ou porque uma mulher elogiar outra parece falso. Porquê? Por que é que a atribuição de elogios tem de ser sequer condicionada pelo género da pessoa que está a elogiar?

Talvez seja eu que passo demasiado tempo a filosofar no carro, mas esta é uma questão que me aflige. Sinto que o mundo se está a tornar num lugar demasiado sombrio e sempre em busca do pior do outro, cujo clima de desconfiança e desprezo transforma a mais pequena boa ação em algo potencialmente maléfico. Estarei a exagerar ou consegues ver algum fundamento nesta minha hipótese? Diz-me tudo o que pensas na caixa de comentários que eu mal posso esperar para saber a tua opinião!

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