Viajante invicta
Um dos motivos pelos quais acabei com os posts semanais no blog foi a falta de histórias para contar. A ideia inicial que tive quando criei este diário era partilhar as aventuras e desventuras de uma lástima com demasiado tempo livre, e a falta de momentos vividos estava a dar comigo em doida. Se, por um lado, estava a terminar o curso, por outro estava desempregada - uma realidade que já não me atormenta - e por outro ainda estava (e estamos) em plena pandemia, tudo fatores que me impedem de viver a vida "young, wild & free" que tanta música apregoa.
Por esses motivos e outros tantos, outubro foi marcado pela minha primeira viagem sozinha, qual mulher forte e independente. Pus roupa numa mochila, apanhei uma promoção maluca da Rede Expressos e segui para o Porto. Três dias, duas noites e uma catrafada de episódios para te contar por estas bandas.
Tudo começou dia 11 de outubro pelas 7h da manhã, altura em que embarquei no autocarro e tive de aguentar com 3h30 de uma colega de fila a ressonar e com aqueles pequenos espasmos macabros que se tem durante o sono. Posso dizer que quase foi uma experiência de vida ou de morte, nem que fosse pelo facto de estar entre a espada e a parede e, caso me agredisse num pesadelo, não tinha forma de fugir. Tirando esse desconforto, pude ver o nascer do sol durante a viagem e o meu "eu" poético resplandeceu.
Depois de ter aterrado na cidade invicta é que a aventura, oficialmente, começou. Tinha tudo para que corresse mal: pouca bateria no telemóvel, um Google Maps que me mandava para os destinos errados, a coluna de uma idosa que carregava uma mochila pesada e as glândulas sudoríparas de um ser que nunca tinha conhecido o sol.
Considerando todos estes fatores, tomei a decisão que me pareceu mais sensata - seguir sempre em frente e ver no que dava. E olha que não me dei tão mal quanto isso. O primeiro 'monumento' que vi mal cheguei ao centro do Porto foi um cartaz a dar os parabéns ao Jimin dos BTS. Agora que me estou a tornar uma ARMY honorária, confesso que fiquei demasiado entusiasmada com este feito.
Sobre pontos turísticos não destinados a amantes de k-pop, tive a oportunidade de conhecer a estação de São Bento, os Jardins do Palácio de Cristal, o Palácio da Bolsa, a Ribeira, a Avenida dos Aliados, a Casa da Música, a ponte Luís I, o Jardim do Morro, a Rua de Santa Catarina, a Sé, a Torre dos Clérigos, a Cordoaria, o Mercado (real e temporário) do Bolhão, o Rivoli e o mítico Lusco Fusco, o café do pessoal da Faculdade de Medicina Dentária. Ainda tentei conhecer a Livraria Lello, mas mal vi a fila tive vontade de fugir. Já a Fundação Serralves ficou na minha lista de 'to do's' para quando voltar.
Agora, como podes calcular, não vim para aqui apenas enumerar o que conheci. Claro que tenho momentos bizarros para partilhar contigo. Primeiramente, acho que a minha viagem estava macumbada: apanhei demasiada coisa em obras. Não fosse suficientemente mau ter o sentido de orientação de uma toupeira estrábica e o meu GPS ir pelo mesmo caminho, cruzar-me com estradas cortadas a cada esquina só dificultou o trabalho. A parte boa da coisa é eu estar numa cidade com um povo abençoado, que me dava direções a cada 5 metros.
Contudo, percebi que o Porto também foi apanhado por um flagelo que me atormenta: a existência de skaters. Ora, estava na minha caminhada de Dora, a Exploradora, quando achei por bem parar para consumir uma limonada inflacionada na Casa da Música. Eis senão quando sou quase atropelada por um skater de meia idade (40 anos, vá), que ignorou por completo a minha existência. Não fosse essa uma experiência suficientemente estranha, a minha estadia não ficou por aí: termino o meu copito, decido subir as escadas para o deixar ao balcão - sim, sou daquelas que não gosta de ir embora com a mesa "suja" - e tropeço. Quase caio de cara e o silêncio que caracterizava a esplanada transformou-se num misto de tentar não rir de mim com "será que ela está bem?".
Eu sempre soube que este meu corpo de frango mal acabado não seria capaz de sobreviver com dignidade ao que quer que fosse. Por isso, aconteceu o mais expectável: torci o pé no meu primeiro dia. Mas achas que isso me ia deter na jornada de viajante solitária? Nada disso!
Entre quilómetros perdidos e achados, lá fui a coxear pela cidade em busca de novos destinos para conhecer. Confesso que fiquei com a sensação de que é preciso ser uma cabra-montês para aguentar as subidas e descidas de cada rua (e nem consigo imaginar como será nos dias de chuva), mas pode ser que seja este o passo que tenha de dar para me tornar uma 'skinny legend'.
Resumindo, concluindo e baralhando este texto que está a ficar longo: vivia nesta cidade num abrir e fechar de olhos. Porto, me aguarda!